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Cadernos do subterrâneo: literatura urbana e crítica social contemporânea

Cadernos do subterrâneo: literatura urbana e crítica social contemporânea

Cadernos do subterrâneo: literatura urbana e crítica social contemporânea

Em uma tarde abafada de domingo, no vagão lotado da Linha Vermelha do metrô de São Paulo, olhos se cruzam, fones de ouvido abafam o barulho do mundo, e a realidade pulsa em cada parada. Foi nesse cenário concreto, entre o concreto, que me dei conta: há histórias que só nascem no subterrâneo. E é no coração urbano das grandes cidades que emerge uma literatura potente, crua, viva – e urgentemente necessária.

O que são os Cadernos do Subterrâneo?

Os « Cadernos do Subterrâneo » não são apenas uma produção textual; são uma espécie de mapa da alma urbana. Essa expressão tem sido usada para englobar um conjunto de obras literárias produzidas por autores contemporâneos que abordam a vida nas periferias, nos trens, nas quebradas. Publicados, muitas vezes, de forma independente, esses textos costuram temas como desigualdade, racismo, violência policial, mas também afeto, resistência e pertencimento.

A metáfora do “subterrâneo” aqui é perfeita: fala das camadas invisibilizadas da cidade, das vozes abafadas pela rotina frenética dos centros urbanos, e da beleza que surge da luta cotidiana. Ler essas obras é como descer uma escada rolante para dentro da alma de um Brasil que muitos preferem não enxergar — mas que, no fundo, pulsa com uma força visceral.

Literatura como ato de resistência

Em minhas andanças por diferentes cantos do Brasil, de Alagoas ao Rio Grande do Sul, percebi que o livro, para muitos jovens da periferia, é um gesto quase insurgente. Um caderno surrado no fundo da mochila não é só um caderno – é um manifesto silencioso. É ali que se costura o cotidiano com sonhos, onde a realidade é confrontada com palavras afiadas como navalha.

Autores como Sérgio Vaz, Ferréz, Akins Kintê e Jeferson Tenório são alguns nomes que despontam nesse universo. Eles não escrevem para agradar as elites. Eles escrevem para sobreviver. E, paradoxalmente, é justamente essa urgência que amarra o leitor. Ler Ferréz é como caminhar por Capão Redondo sem tirar os olhos da realidade; é enxergar poesia no motoboy, no camelô, no olhar duro da favela que “resiste, logo, existe”.

Por que essa literatura importa?

Vamos combinar: o Brasil não cabe só em cartões-postais de praia, samba e futebol. O Brasil real é feito do empurra-empurra no busão, das panelas raspadas em fim de mês, do grito abafado de quem não tem vez nos salões de poder. E os “Cadernos do Subterrâneo” fazem exatamente isso – dão voz a quem sempre teve apenas o direito de escutar.

Mais do que entretenimento, essa corrente literária propõe uma nova forma de olhar para nossas cidades. Ela nos faz questionar:

Essas perguntas ecoaram em mim quando, certa vez, cruzei com uma leitura coletiva promovida num vagão cultural no metrô do Rio de Janeiro. Crianças, jovens e adultos, sentados em almofadas improvisadas, ouviam atentamente versos retirados do livro “Psicopretas”, da poeta e performer Preta-Rara. Um silêncio respeitoso tomava conta do vagão. Foi aí que tive certeza: o subterrâneo também é sagrado.

Do concreto para o papel: um novo tipo de turismo

Você já pensou em viajar por São Paulo sem sair de um livro? E se a literatura urbana fizesse parte do seu roteiro de viagem? Essa é uma provocação que trago aqui no BookSports. Assim como valorizamos pousadas com alma, praias escondidas ou esportes praticados nas ladeiras do interior mineiro, que tal incluir na sua bagagem um verso periférico, um conto de quebrada?

Ao visitar capitais como Salvador, Recife ou Porto Alegre, procure feiras de livros independentes, sarais periféricos, espaços culturais que promovem a voz das comunidades. Comprar um livro de um autor marginal é, sim, um ato político – mas também é turístico, sensorial e profundamente humano.

Aliás, quer dica? Se estiver em São Paulo, não deixe de conhecer a “Cooperifa” – Cooperativa Cultural da Periferia. Fundada por Sérgio Vaz, esse coletivo promove saraus e ações culturais na zona sul paulistana. É como um pôr do sol cultural em plena quebrada.

A cidade como personagem literária

Se há algo que me fascina nesses textos é que, neles, a cidade não é apenas cenário – ela é personagem viva. O asfalto, os postes, os muros pixados, os cachorros sem dono, os ruídos do trem – tudo ganha voz. É como se a cidade falasse através desses autores.

Lembro de uma crônica de Alessandro Buzo que começa contando o trajeto de um trabalhador que pega três conduções, e termina questionando: “Quantos sonhos cabem em um ticket unitário?”. Poesia dura, certeira – e inquietante.

Encontro com Jeitos de Brasil

Na minha viagem a Belo Horizonte, conheci a autora e arte-educadora Lubi Prates. Sentados no Café com Letras, no bairro Savassi, ela me falou de como a literatura marginal dialoga com essa busca identitária do povo brasileiro. “A gente escreve pra lembrar que existe. E escrever da margem é dizer: também sou centro.” Fiquei com isso na cabeça até hoje.

É verdade: existe todo um Brasil que se reinventa em favelas, becos, vielas. E essa reinvenção está sendo registrada por escritores que optam por não romantizar, mas também não se resignar. É um Brasil que pensa, que cria, que provoca – e que também quer ser lido em voz alta.

Como apoiar essa literatura?

Se você também se sentiu tocado por essa pulsação subterrânea, aqui vão algumas formas de fortalecer essa leitura com sabor de asfalto e coração:

Assim, aos poucos, criamos uma nova geografia de pertencimento. Porque quando o livro sai da estante e cai na rua, ele vira escuta, vira ponte, vira abraço.

Literatura, esporte e chão pisado

Você pode estar se perguntando: e onde entra o esporte nessa história? Pois eu te digo: entra no corpo, no gesto, no suor que se escreve nas quadras improvisadas entre becos. Ferréz, por exemplo, joga suas palavras como quem joga bola na laje: com controle, visão e muita ousadia. E talvez seja isso que me conecta tanto com essa literatura – ela tem o mesmo espírito do esporte de várzea, aquele que brota da necessidade e floresce na garra.

A literatura urbana, assim como o esporte popular, é feita por quem se recusa a aceitar o silêncio como destino. Em cada caderno do subterrâneo há um drible social, um gol contra o esquecimento, uma bicicleta literária em direção à dignidade.

Última parada: escute os subterrâneos

Na próxima vez em que você pegar um trem ou metrô, olhe ao redor. Ali pode estar sentado o próximo grande cronista do Brasil. Ou quem sabe um poeta em construção, rascunhando seus versos entre estações. São nesses espaços de trânsito, às vezes invisíveis, que mora a alma coletiva da nossa sociedade.

E talvez, ao abrir um “caderno do subterrâneo”, o que a gente esteja fazendo é abrir nossas janelas internas. Porque ler o Brasil de baixo pra cima é, no fundo, uma forma bonita de reaprender a escutar – antes de falar.

Boa leitura, boas viagens e, como sempre, seguimos na jornada. Um abraço fraterno direto dos trilhos para o coração do leitor.

Felipe Andrade

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